O sentido e o significado das Chagas
Mais do que desvendar o caráter histórico das Chagas de São Francisco,
importa refletir sobre a experiência de vida que se esconde sobre este
fato. O que significa a expressão de Celano “levava a cruz enraizada em
seu coração”? O que isso significou para o próprio Francisco? Há um
significado para nós hoje, naquilo que com ele ocorreu?
Um erro comum é o de ver São Francisco como uma figura acabada, pronta,
sem olhar para a caminhada que ele fez até chegar à semelhança perfeita
(configuração) com o Cristo. O que ocorreu no Monte Alverne é o cume de
toda uma vida, de uma busca incessante de Francisco em “seguir as
pegadas de Jesus Cristo”. Francisco lançou-se numa aventura, sem
tréguas, na qual deu tudo de si: a vontade, a inteligência e o amor. As
chagas significam que Deus é Senhor de sua vida. Deus encontrou nele a
plena abertura e a máxima liberdade para sua presença.
O segundo significado das chagas é o de que Deus não é alienação para o
ser humano, ao contrário, é sua plena realização e salvação.
Colocando-se como centro da própria vida é que o homem se aliena e se
destrói; torna-se absurdo para si mesmo no fechamento do seu ‘ego’. O
homem só encontra sua verdadeira identidade, sua própria consistência e o
sentido de sua existência em Deus. E Francisco fez esta descoberta:
Jesus Cristo foi crucificado em razão de seu amor pela humanidade –
“amou-os até o fim” – , e ele percorre este mesmo caminho.
O terceiro significado: as chagas expressam que a vivência concreta do
amor deixa marcas. A exemplo de Cristo, Francisco quis suportar/carregar
e amar os irmãos para além do bem e do mal (amor incondicional). Essa
atitude o levou a respeitar e acolher o ‘negativo’ dos outros mantendo a
fraternidade apesar das divisões. Esse acolher e integrar o negativo da
vida é a única forma de vencer o ‘diabólico’, rompendo com o farisaísmo
e a autosuficiência, aniquilando o mal na própria carne. Só assim, o
homem é de fato livre, porque não apenas suporta, mas ama e abraça o
negativo que está em si e nos outros.
O quarto significado: seguir o Cristo implica em morrer um pouco a cada
dia: “Quem quiser ser meu discípulo, tome a sua cruz a cada dia e me
siga” (Lc 9,23). Não vivemos num mundo que queremos, mas naquele que nos
é imposto. Não fazemos tudo o que desejamos, mas aquilo que é possível e
permitido. Somos chamados a viver alegremente mesmo com aquilo que nos
incomoda, vencendo-se a si mesmo e integrando o ‘negativo’, de modo que
ele seja superado. Nós seremos nós mesmos na mesma medida em que formos
capazes de assumir nossa cruz. As chagas de São Francisco são as chagas
de Cristo, e elas nos desafiam: ninguém pode conservar-se neutro, sem
resposta diante da vida.
São Francisco não contentou-se em unicamente seguir o Cristo. No seu
encantamento com a pessoa do Filho de Deus, assemelhou-se e
configurou-se com Ele. Este seu modo de viver está expresso na “perfeita
alegria”, tema central da espiritualidade franciscana: “Acima de todos
os dons e graças do Espírito Santo, está o de vencer-se a si mesmo,
porque dos todos outros dons não podemos nos gloriar, mas na cruz da
tribulação de cada sofrimento nós podemos nos gloriar porque isso é
nosso”.
Frei Régis G. Ribeiro Daher
Fonte: Franciscanos.org.br
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